quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Vovô saudosista

Na cadeira de descanso, tricotando um cachecol, mergulhei em pensamento: A idade chegou. Notei que eu não tenho mais o rosto sedutor de 35 anos atrás, minhas mãos trêmulas aliadas aos sinais do tempo demonstram o quanto eu já vivi e sobrevivi.

Meu velho companheiro falecera e ainda sinto falta daquele ranheta, mas que todos os dias durante os anos que estivemos casados, dizia o quanto me amava e que era muito feliz. Recordo-me do vestido de noiva, todo singelo e sem pompas. A recepção foi servida a bolo, bem-casado e guaraná. A Sidra era apenas para o brinde dos noivos, pais e padrinhos. Tivemos sete filhos, sendo três belas mulheres e quatro homens de personalidade marcante. Fui abençoada com 14 netos, o décimo quinto está a caminho.

Não tivemos luxo, mas também, não passamos necessidades. Levamos uma vida digna, repleta de altos e baixos. A cada dificuldade, a minha família se unia para encontrar a solução ideal. As reuniões para discutir melhorias eram especiais. Bolinhos de chuva, chá, café faziam parte do banquete. Meus filhos mais comiam do que argumentavam. Eu mais me divertia do que me preocupava, pois no final, com as bênçãos de Deus, tudo dava certo.

Aos domingos minha casa enche de alegria. Um almoço parece um evento social de grande percussão. Música, muita comida, conversas, risadas estridentes... Assistir televisão, eu só conseguia quando a casa ficava vazia. Naquele instante, eu tinha a companhia do meu neto, o Augusto, de 19 anos. Ele morava comigo para facilitar a sua vida: trabalho, casa e faculdade exigem muito, e, meu rapazinho sabe o quanto pode contar com a vovó Maria, vó Mari, como ele me chama desde que tentou emitir as primeiras palavras.

De vez em quando, outros netos aproveitam para passar o final de semana em casa. Logo, eu faço todas as guloseimas preferidas. Eu fico tão feliz, pela quantidade de paparicos que recebo... Mas, uma conversa que tivemos marcou minha falha memória...

Augusto e seu primo Lucas encontraram umas fotos minhas. Morena cor de jambo, olhos cor de amêndoas, corpo de quase uma Miss (eu perdia por ter poucas polegadas a mais), pele macia: fui assim na juventude. Então, questionaram-me se eu sinto falta do que eu fui, se tenho medo da morte e principalmente, se ainda sinto falta do meu grande amor, o vovô Genésio.

Respirei fundo... Timidamente sorri e contei como foi minha vida. Viver, aprender e conviver não é e não será nada fácil. Tive que ceder, emitir opiniões, lutar contra os medos, trabalhar para auxiliar nas despesas da casa, chorei às escondidas, fingi-me de forte, fiquei noites sem dormir. Soube o que é ser mãe e, a cada filho uma emoção diferente, indescritível. Vi meus netos nascerem, crescerem e estou ansiosa para ver mais um que está a caminho. Mal conto as horas para ver o rostinho deste bebê, que já se tornara importante em minha vida. Eu estava louca para mimá-lo e ver minha filha mais nova ficar enciumada com tamanho amor de avó.

Quanto ao meu príncipe que virou anjo da guarda da família Theodor, em lágrimas, contei do quanto ele me fez feliz. Lucas, meu neto, fitava seus olhos enquanto eu falava do avô. Afinal, os dois viviam grudados demais. Acho que meu garotinho ainda sente falta do vovô, tanto quanto eu. Contei aos meus netos como foi o pedido de casamento, a reação de cada filho nascendo, dos netos, de quando a gente esperava pelo sono dos filhos para que pudéssemos namorar um pouco. Neste instante, Augusto sorriu com ar de pornografia. Na mesma hora, eu disse: "Guto, a vovó também teve uma brasa embaixo das saias". Os dois meninos ficaram vermelhos, mas gostavam das minhas histórias...

Já o assunto envelhecer, eu expliquei para eles que a cada ruga era sinal de maturidade. Graças a estes sinais, eu pude aprender e ensinar, sem jamais me deixar abalar. Ficar velha, também significa estar perto da morte. Morrer é uma passagem. Não temo em partir. Sei que fiz o impossível para educar, e, minha prole terá condições de seguir seu curso. 

Totalmente serena, pedi a eles que não chorassem no meu funeral. Sei que a dor da despedida é devastadora, mas eu estaria perto do meu bem e, melhor, próxima de Deus. Vi Guto e Lucas com os olhos lacrimejantes, eu estendi os braços e naquele instante, eles correram para o meu colo. Como eu me senti amada... Meus dois netos pediram para eu viver até os 200 anos, ainda mais, por que quem faria todos os mimos e pratos deliciosos que a vovó sabe fazer? Após aquela conversa, nós fomos dormir exaustos e felizes por um momento só nosso, de plena cumplicidade.

Após relembrar momentos da minha vida, voltei à realidade. Recordei que amanhã é domingo. Dia de casa cheia. Deixei meu tricô, verifiquei que já deixei quase tudo no jeito, para que minhas netas, filhas e noras tenham um pouco de diversão na cozinha de casa. Preparei o som, comprei novos DVDs para o karaokê, abri a geladeira e conferi: a sobremesa está pronta. Fui para o quarto do Guto, coitadinho, ele estava tão cansado que não teve forças de ir pra… Como é que de diz? Parada? Ah! Puxa... É balada! Ele está dormindo feito um anjo. Agora é minha vez: Terei o sono dos justos. Assim, as horas passarão rapidamente e acordarei animada para ver a família reunida. Rezei um Pai Nosso, agradeci a Deus e adormeci. 

1 comentários:

Cláudia Sousa disse...

Maravilhoso amiga!
bjs

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